terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O corpo iluminado




















Com M de Mulher é que o teu nome
vai mergulhando os pés nas minhas veias

Centro do mundo um vértice na sombra
Por cima o Sol o céu. O que tu queiras


David Mourão-Ferreira, in "Obra Poética"
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...porque não ao vinho? :-)





















Um sorvo
Um sopro

Eis todo
o corpo


David Mourão-Ferreira,  A um corpo, in "Obra Poética"
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A vida que dura sem medir-se



















Não quero recordar nem conhecer-me.
Somos demais se olhamos em quem somos.
Ignorar que vivemos
Cumpre bastante a vida.

Tanto quanto vivemos, vive a hora
Em que vivemos, igualmente morta
Quando passa connosco,
Que passamos com ela.

Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(Pois sem poder que vale conhecermos?)
Melhor vida é a vida
Que dura sem medir-se


Ricardo Reis, in "Odes"
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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Nada garante que tu existas














Nada garante que tu existas
Não acredito que tu existas

Só necessito que tu existas

David Mourão-Ferreira, in "Obra Poética"
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Ela é uma frágil gazela




















Ela é uma frágil gazela:
Olhares de narciso
Acenos de açucena
Sorrisos de margarida.

E se seus brincos se agitam
Quedam-se os braceletes na escuta
Da música do requebro da cintura.

Ibn ´Ammàr


Adalberto Alves, in "O meu coração é árabe" (poesia luso-árabe)
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Amigão




















Bonjour! Mon nom est "Elfo". Je suis né en France et ont deux ans. :-))

É um eterno cachorrinho...

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...um conceito de honra.














O Árabe é altivamente orgulhoso, individualista e generoso, pronto a defender pela força os seus direitos e a sua dignidade pessoal, se necessário com absoluto desprezo pela própria vida. O conceito de honra nos Árabes radica-se em sentimentos profundos que lhe são frequentemente mais importantes do que a própria sobrevivência. Esse sentido de honra e dever que, por vezes, assume aspectos de fanatismo, ajuda a compreender, ainda hoje, a suicida actuação de certos comandos árabes.

Adalberto Alves, in "O meu coração é árabe"
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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O meu coração é árabe






















"O meu coração abriu-se a todas as formas: é uma pastagem para gazelas, um claustro para monges cristãos, um templo de ídolos, a Caaba do peregrino, as tábuas da Tora e o Alcorão. Pratico a religião do Amor; qualquer que seja a direcção em que as caravanas avancem, a religião do Amor será sempre o meu credo e a minha fé"


Ibn Al- ´Arabì 


Adalberto Alves, in "O meu coração é árabe"
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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

...morre-se.















Morre-se de amor. Também se morre dessa doença cruel e implacável, que a sociedade moderna criou e parece não estar muito preocupada em exterminar - o desprezo pelos outros. 

Baptista Bastos
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sábado, 21 de janeiro de 2012

Explicação

















...Quem me fez assim foi minha gente e minha terra
e eu gosto bem de ter nascido com essa tara.
Para mim, de todas as burrices a maior é suspirar pela Europa.
A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro
e tem umas  actrizes de pernas adjectivas que passam a perna na gente.
O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos.
Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só,
lê o seu jornal, mete a língua no governo,
queixa-se da vida (a vida está tão cara)
e no fim dá certo.

Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.
Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?

Carlos Drummond de Andrade, excerto do poema "Explicação".
Hugo Pratt, in "Balada do mar Salgado" - imagem

Corto Maltese

















...Tu sabes como é grande o mundo
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Vistes as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem...sem que ele estale.

Carlos Drummond de Andrade - excerto do poema "Mundo Grande"
Hugo Pratt, in "Balada do Mar Salgado" - imagem

Cantas






















Cantas. E fica a vida suspensa.
É como se um rio cantasse:
em redor tudo é teu;
mas quando cessa o teu canto
o silêncio é todo meu.

Eugénio de Andrade, in "As mãos e os frutos"
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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

África























"As noticias que nos chegam de África são sempre más. Ao ouvi-las, eu ficava com vontade de lá ir, mas não por causa dos horrores, dos pontos quentes, das histórias de massacres e terramotos que se lêem nos jornais; queria voltar a sentir o prazer de estar em África. Voltar a ter a sensação de que era um continente tão amplo, que  continha muitas histórias por contar, bem como alguma esperança, alguma graça, alguma doçura - a sensação de que África não era apenas a miséria e o terror..."

Paul Teroux, in "Viagem por África", Uma viagem por via terrestre entre o Cairo e a Cidade do Cabo.

A Guerra


















A agressividade é um dado fundamental de civilização no mesmo plano da sexualidade. A analogia com a sexualidade tem um sentido profundo: a sociedade funciona na base de uma sexualidade controlada. Do mesmo modo, a guerra, sob todas as suas formas, não é um fenómeno puramente patológico, ela preenche certas funções sociais: a sociedade funciona na base de uma agressividade controlada. A repressão total da sexualidade, tal como a sua libertação total, destrói os fundamentos da sociedade.
Quando todas as instituições de uma sociedade se fecham à agressividade, esta manifesta-se sob outras formas, não institucionalizadas - a criminalidade, a agitação... -, formas que são tanto mais temíveis para a ordem global quanto só dificilmente se prestam à "recuperação". As sociedades, ditas primitivas, conseguem perfeitamente esta institucionalização da agressividade.

André Akoun, in "Dicionário de Antropologia" Editorial Verbo, 1983 Viseu
imagem - luís raposeira

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O maior trem do mundo

















O maior trem do mundo
Leva minha terra para a Alemanha
Leva minha terra para o Canadá
Leva minha terra para o Japão
O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva o meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Lá vai o maior trem do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
e um dia, eu sei, não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.


Carlos Drummond de Andrade
imagem - c o

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Ausência

















Sem cessar, percorro os céus com os olhos
a tentar ver a estrela que estás contemplando.
Interrogo os viajantes de todas as terras
na esperança de encontrar
alguém que tivesse
aspirado a tua fragrância.

Quando os ventos sopram,
procuro recebê-los no rosto,
como se a brisa me trouxesse
notícias tuas.

Errante vou pelos caminhos,
sem rumo nem meta,
talvez uma canção
 me recorde o teu nome.

Furtivamente, miro,
sem necessidade,
quantas pessoas encontro,
tentando avistar um rasgo
da tua formosura

ABU BAKR al-TURTUSI, in "Ladrões de Prazer" (poemas arábico-andaluzes)
imagem - c o

domingo, 15 de janeiro de 2012

Amor no deserto



Pela manhã, uma das tuaregues levantou-se e olhou para os lados da Nigéria. Vi-lhe então as narinas dilatarem-se  e estremecerem. Senti que o seu corpo se concentrava, que os olhos se fixavam num ponto adivinhado na distância. Os meus binóculos contudo permaneceram cegos face ao irreal...
Bruscamente ela distendeu-se. Correu para uma companheira que lhe começou a entrançar o cabelo.
O que se passou?
- O meu homem está a chegar - disse apenas, - Deve chegar esta noite.
No horizonte não se adivinhava senão o céu.
- Sinto que ele está a chegar. O vento trouxe-me o seu perfume. Esta noite o meu amor estará aqui.

Douchan Gersi, in "Sahara (texto e imagem)

Cena de amor




















Quando a noite arrastava
a sua cauda de sombra:
dei-lhe de beber um vinho
escuro e espesso como o almíscar em pó
que se absorve pelas narinas.

Estreitei-a a mim
como o valente estreita a sua espada
e as suas tranças eram boldriés
pendendo dos meus ombros.

Quando a subjugou
o doce peso do sono,
quebrei o nosso abraço
afastando-a de mim:
do dorso que a amava, a afastei
para que não dormisse
sobre uma almofada palpitante

IBN BAQI, in "Ladrões de Prazer" (poemas arábico-andaluzes)
Imagem: retirada do livro "Ladrões de Prazer"

sábado, 14 de janeiro de 2012

Oferecendo um espelho





















Envio-te um espelho precioso;
em seu alto horizonte faz surgir
o teu rosto, lua de bom presságio.

Desse modo, justamente,
apreciarás a tua formosura
e desculparás a paixão
que me consome.

Ai, sendo furtiva, a tua imagem
é mais acessível que tu mesma,
mais benevolente
e melhor cumpridora de promessas!

IBN al-SABUHI, in "Ladrões de Prazer" (poemas arábico-andaluzes)
imagem - c o

Mãe

















O pacto que o teu útero
tem com a lua
e com os oceanos
através dos movimentos dos mares

Dos ciclos dos dias
e dos anos

          ***

Qual é o depoimento
       dos teus lábios

posto

de vagina
à flor da boca?

       ***

O teu ventre:
Sabe a medronho
e a uva

A sumo de chuva


Maria Teresa Horta, in " MINHA MÃE, MEU AMOR" 
Foto: Mulheres tuaregues, imagem retirada do livro "Sahara".

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sobre a poesia

Existe uma relação estreita entre a pretensa realidade objectiva e os mundos explorados pela fantasia e pelo sonho; no seio do quotidiano mais banal, surge o maravilhoso sem cessar para quem sabe reconhecê-lo. A tarefa da poesia é, portanto, interrogando-se sobre a sua própria natureza e os seus poderes, revelar a acção conjugada do acaso e do desejo, do inconsciente do mundo e do inconsciente individual. Só o poeta pode responder à dupla questão: " Quem sou eu? Quem vai ali?"
A poesia é o lugar onde desejo e palavra se unem num discurso incessante, num enigma sempre renovado, que nos permite chegar ás camadas mais profundas do ser.

André Breton, in "Dicionário do Inconsciente"

A visita da amada















Vieste a mim um pouco antes
de os cristãos tocarem os sinos,
quando, no céu, surgia a meia lua -
como a sobrancelha de um velho
de cãs quase toda coberta
ou como a delicada curva da planta do pé.

E ainda que fosse noite:
com a tua vinda,
o arco do Senhor
brilhou no horizonte,
vestido de todas as cores,
como a cauda dos pavões

Ibn Hazm, in "Ladrões de Prazer" (Poemas arábico-andaluzes)
imagem - c o

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Quando me atingem

Quando me atingem, perdem tudo o que tinham de imaginário e são reduzidos ao seu justo valor. Acho-os então muito menores do que imaginara e, mesmo a braços com o sofrimento, não deixo de me sentir aliviado. Nesse estado, liberto de novos temores e da inquietação da esperança, o hábito bastará para tornar cada vez mais suportável numa situação que já nada pode piorar e, à medida que o sentimento se vai esbatendo com o tempo, os meus inimigos deixam de dispor de meios para o reavivar. Eis o bem que me fizeram os meus perseguidores ao esgotarem sem medida todos os sinais da sua animosidade. Perderam todo o poder sobre mim e, a partir de agora, posso ignorá-los.










Jean-Jacques Rousseau, in "Os Devaneios do Caminhante 
Solitário"
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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Mar






" Homem livre, tu sempre gostarás do mar"


Charles Baudelaire
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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O luar quando bate na relva

















O luar quando bate na relva
Não sei que cousa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
Contando-me contos de fadas.
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga
Andava à noite nas estradas
Socorrendo as crianças maltratadas...
Se eu já não posso crer que isso é verdade,
 Para que bate o luar na relva?

     Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos"
     imagem - c o

Antes que seja tarde

















Amigo,
tu que choras uma angustia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
Onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
ás coisas do mundo.
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha,
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de uma vez para a vida



Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos"
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Tuaregue

















Crepita o fogo e brilha a lua. As estrelas dizem que nessa noite Aicha, a bela tuaregue, linda como uma gazela, feroz e selvagem, doce e terna, está apaixonada pelo jovem tuaregue que a soube conquistar com um poema.

Ouve amanhã a areia
À hora em que eu for no meu camelo branco
Escuta a música da areia
O refrão do poema 
Que recitarei
Quando regressar do país das árvores e da água
Ouve-me minha bela
Que ele te falará do meu corpo procurando o teu.


Então a jovem tuaregue desenhará na mão morna do jovem uma cruz.
- Vem, vem ao meu encontro esta noite sob as estrelas.
A areia quente nos acolherá.

Douchan Gersi, in "Sahara"
texto e imagem

domingo, 8 de janeiro de 2012

contemplação





"Nada é impossível a quem pratica a contemplação.Com ela, tornamo-nos senhores do mundo."


Lao-Tsé
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Coragem





"A grande coragem, para mim, é a prudência"


Eurípedes
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Sob o chuveiro amar









Sob o chuveiro amar, sabão e beijos,
ou na banheira amar, de água vestidos,
amor escorregante, foge, prende-se,
torna a fugir, água nos olhos, bocas,
dança, navegação, mergulho, chuva,
essa espuma nos ventres, a brancura
triangular do sexo - é água, esperma,
é amor se esvaindo, ou nos tornamos fonte?


Carlos Drummond de Andrade, in "Amor Natural"
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O mistério das cousas

O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e ue sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os
homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra
Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada para compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos:-
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.


Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos"
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sábado, 7 de janeiro de 2012

O que me dói não é

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas 
que nunca existirão...

São as formas sem forma
Que passam, sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore, e uma a uma
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a  bruma


Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"













sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

poema



cumpridos, os deveres compridos deixaram
de assediar minhas horas

doce, a liberdade retoma em si a minha leveza antiga


Sophia de Mello Breyner
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o primeiro astronauta

o primeiro astronauta
devia ter sido
Silvestre José Nhaposse

só ele
teria sacudido os pés
à entrada da Lua

só ele teria pedido
com suave delicadeza...
dá licença?...

Mia Couto
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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

terra mãe

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Madrugada

a história...

A África é produto da Europa: um produto da devastação que a Europa contém e que, com o nome de civilização, começou a exportar urbi et orbi a partir do século XV. À frente, e bem à frente, dos feitos maiores desta Europa, está sem dúvida a escravatura moderna - a radical novidade que os Descobrimentos introduziram no sistema do mundo.Nesta destruição civilizacional que a expansão europeia irá irradicar pelos outros continentes, Portugal mostrou-se pioneiro em quase tudo. Não é pois de estranhar que Las Casas, além de denunciar com a sua veemência ética as tremendas acções dos espanhóis no Novo Mundo, tenha desmontado as sinistras empresas de portugueses e espanhóis em África, que historicamente precederam aquela abjecção, inaugurando-a.

Isacio Pérez Fernandez, in "Bartolomé de Las Casas, Brevíssima Relação da Destruição de África", Edições Antígona Lisboa 1996

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

gazela

Bruscamente a gazela caiu, levantou-se, andou à roda assustada, perdida; os faróis cruzaram os seus olhos molhados. estava a chorar.
Pouco me importa saber se era do suor ou das lágrimas. De repente senti no mais fundo de mim uma profunda angústia, mais forte que o desgosto, mais quente que o desespero.

Douchan Gersi, in "Sahara"

(experiência de blogue)