terça-feira, 31 de dezembro de 2013

alegria!





















A alegria aquece o corpo e a alma,
como uma fogueira em noite fria.

fim de ano





Quem me acode à cabeça e ao coração
neste fim de ano, entre alegria e dor?
Que sonho, que mistério, que oração?
Amor.

Carlos Drummond de Andrade

atitude

O poder da atitude, decorre do respeito pelo "outro" quando associado ao verdadeiro afeto.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

chuva






Quem me dera que a chuva viesse e nos diluísse um no outro, e pela noite corrêssemos como um regato em direção ao mar.


Al Berto


desde que em mim nasceste


(...)
Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos,
Se eles são tristes por amor de ti?!...

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh´alma
e nunca, nunca mais eu me entendi...

Florbela Espanca, (excerto)

se fosses luz...


Se fosses luz serias a mais bela
De quantas há no mundo: - a luz do dia!
- Bendito seja o teu sorriso
Que desata a inspiração
Da minha fantasia!
Se fosses flor serias o perfume
Concentrado e divino que perturba
O sentir de quem nasce para amar!
- Se desejo o teu corpo é porque tenho
Dentro de mim
A sede e a vibração de te beijar!
Se fosses água - música da terra,
Serias água pura e sempre calma!
- Mas de tudo que possas ser na vida,
Só quero, meu amor, que sejas alma!


Eugénio de Andrade

e...

e
se houver amor

que seja dito
apenas dito
pronunciado
aqui, sempre

e
se não houver...

também
seja dito
pronunciado

sem piedade...

ansiosamente

não quero

inventar
momentos

mas espero-os
ansiosamente





domingo, 29 de dezembro de 2013

profissão de amor

Há palavras
que não dissemos,
que não escrevemos,
que, lidas,
nos penetram a pele, a carne e a alma,
de tão doces, doridas e perfeitas.


sábado, 28 de dezembro de 2013

my heart


bênção


























Lentamente
Tudo se vai tornando misterioso

És delicada
Até à fímbria dolorosa
De um rio inominável
Que criaste para nós

Cada beijo
A carícia mais suave
Descrevem uma curva tão completa
Que vai dar a um espaço inicial

Bênção

Alberto de Lacerda, in "Átrio", Imprensa Nacional-Casa da Moeda




2014






Que os dias de 2014 possam ser doridos e doces, quanto baste, para que a vida possa ser partilhada e  sentida no corpo e na alma.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

pura ausência escrita





Da tua chama em pura ausência escrita,
Do teu silêncio vindo como um grito,
Até ao mastro do meu desespero,
Provém meu canto, meu choro, meu louvor.

Alberto de Lacerda, in "Oferenda" Imprensa Nacional-Casa da Moeda

sábado, 21 de dezembro de 2013

viagem...













Terminar uma viagem é sempre frustrante.
Na verdade, a existência de uma origem e de um destino condiciona completamente o viajante.
Os utilizadores do comboio, são utentes.
Já foram passageiros.
Mas nos primórdios dos caminhos de ferro, eram viajantes.
Porque a viagem era o mais importante.
Pouca importância tinham, origem e destino.
Origem e destino são dois momentos apenas. Curtos. Fatais.
A viagem, não.
A viagem é como que uma entidade viva, que nos questiona, que nos surpreende...que nos acompanha.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

cidade mágica



Depois de um dia longo e dorido, a cidade mágica envolve-me e participa no diálogo que mantenho com o meu filhote.
Lembra uma massagem oriental na alma... Sossega-me...










quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

a espera

O que há de horroroso na espera
Em qualquer espera
É que o presente
Só o presente
É a vida
A própria vida

Alberto Lacerda, in "Átrio" Imprensa Nacional-Casa da Moeda

instante






sinto a cada instante
esta sede de dizer
sem usar a palavra

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

finalmente a guerra

e de repente soou um trovão,
e mais outro,
seguidos daquele crepitar
característico
das trovoadas eminentes

mas... tinha anoitecido um céu estrelado...
confirmei, espreitando à porta, as estrelas

sai daí!...és doido?!
ainda apanhas com uma bala perdida!!!

ano de 4050

lá para o ano de 4050
ninguém se lembrará de mim,
nem do olhar meigo dos meus cães,
nem dos contos trazidos pelo vento
que a minha avó Agostinha me contava
nem das lágrimas que tanto prezo

nascer

(...)
E então apeteceu-me também nascer,
nascer por mim, por minha própria vontade,
sem pai nem mãe,
sem preparação de amor,
sem beijos nem carícias de ninguém,
só, só e só por minha livre vontade...
(...)

António Gedeão in, "Poesia Completa" (excerto)

wishlist


domingo, 15 de dezembro de 2013

a magia da surpresa

O que o eu tem de único encontra-se precisamente naquilo que o ser humano tem de inimaginável. Só consegue imaginar-se o que é idêntico em todos, o que é comum a todos. O "eu" individual é aquilo que se distingue do real, e é, portanto, aquilo que não pode ser adivinhado nem calculado antecipadamente, aquilo que primeiro é preciso desvendar, descobrir, conquistar no outro.

...esse milionésimo de diferente, só na sexualidade aparece como uma coisa preciosa, porque não é publicamente acessível, mas na realidade está sempre presente. à espera de ser descoberto.


Milan Kundera, in "A Insustentável Leveza do Ser"

 

sábado, 14 de dezembro de 2013

se cantasse...





Se cantasse, talvez o coração
sossegasse o peito.
Mas vou perdendo o jeito 
de cantar.
A vida, devagar, 
leva-nos tudo,
e deixa-nos na boca, o gosto de ser mudo.

Miguel Torga

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

...de que fontes de que águas...



(...)
De que fontes de que águas
De que chão de que horizonte
De que neves de que fráguas
De que sedes de que montes
De que norte de que lida
De que deserto de morte
Vieste tu feiticeira
Inundar-me de vida

há palavras...





















Há palavras,
das quais
não é possível
não ficar
apaixonado,

porque
nos povoam
a alma.

Porque apetecem...

Palavra...
minha querida,
meu amor...




terça-feira, 10 de dezembro de 2013

farol







que a luz da minha alma
possa ser o farol
que apague a distância
e aqueça o peito


sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Mandela









Mandela morreu. Sinto-me mais só.
"Brothers in Arms" pelos Dire Straits e Eric Clapton fez-me chorar. Obrigado Mandela.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

a minha guitarra

Por enquanto não falo a mesma linguagem que a minha guitarra. :-)
Temos uma relação muito recente, se bem que intensa.
Que o digam os meus dedos da mão esquerda, que têm travado um verdadeiro corpo a corpo com as cordas ficando algo doridos...mas felizes.
Do ponto de vista técnico consigo "manusear" já, dois acordes: oe o lá  :-) e estou a tentar musicar com eles um pequenino poema meu, intitulado "Luz da minha alma".
A harmonia entre a minha voz e os dois modestos acordes não dura mais que uns breves segundos, suficientes, contudo, para produzir pequenos flashs de emoção, que me apanharam completamente desprevenido, fazendo com que me volte a questionar sobre a existência de Deus. Sim, porque a existir, só fará sentido manifestar-se nos momentos mais belos.


o poder do amor






O amor deseja, o medo evita.
Por causa disso não podemos ser amados e reverenciados pela mesma pessoa, não no mesmo período de tempo, pelo menos.
Pois quem reverencia reconhece o poder, isto é, o teme:  seu estado é de medo-respeito.

Mas o amor não reconhece nenhum poder, nada que separe, distinga, sobreponha ou submeta.

Nietzsche (Humano Demasiado Humano)

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

usted

maré da manhã

Volta até mim no silêncio da noite
a tua voz que eu amo, e as tuas palavras
que eu não esqueço. Volta até mim
para que a tua ausência não embacie
o vidro da memória, nem o transforme
no espelho baço dos meus olhos. Volta
com os teus lábios cujo beijo sonhei num estuário
vestido com a mortalha da névoa; e traz
contigo a maré da manhã com que
todos os náufragos sonharam.

Nuno Júdice 

se cuida




Na frase - "Se cuida", o sujeito te ama.

Isabelle Mayara

respeito




Amor é a união de duas solidões que se respeitam.


Ranier Maria Rilke

escravo, mas livre...



Bom é que não esqueçais
Que o que dá ao amor rara qualidade
É a sua timidez envergonhada.
Entregai-vos ao travo doce das delicias
Que filhas são dos seus tormentos.
Porém, não busqueis poder no amor...
Que só quem da sua lei se sente escravo
Pode considerar-se realmente livre.

Ibn - ´Ammàr

Adalberto Alves, in "O meu coração é árabe" (poesia luso-árabe)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

corpo e alma




Somos apenas corpos vivendo...

Clarice Lispector

harmonia















olhar
lábios
dedos
suaves...

palavras
boca
mãos
doces...

brancura
dentes
harmonia
colorida,,,

equilíbrio interior

...Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável ou no impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos em sensibilidade, antes de o sermos em razão, ou mesmo em inteligência. Porque só se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está "feito um para o outro". Só entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio consente. E só o consente se o amar.

Vergilio Ferreira

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

insónia














na insónia

de um momento
perdido

que ficará
a vaguear
na eternidade

cheio de amor

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

trans-siberiano

É angustiante observar a “morte mental” de pessoas a partir dos 40 e poucos anos. (tão novinhos)
Nota-se neste estrato, um acomodar em torno de uns copos, de um concordar com o que a maioria pensa dando-lhe um toque pessoal à láia de autoria.
Imensa gente estrutura a sua “vida” baseada numa cultura de imagem, de status, recolhida dos meios difusores. Uma cultura de viagem, uma cultura de passagem...para o fim de semana, para a próxima quadra festiva, para as próximas férias...para a próxima viagem...
Mas...não vivem?! 
Aos 50, 60, 70...é um dó de alma!... Parecem zombies.

Uma multidão de corpos inexpressivos a torrar ao sol numa praia, é assustador. E essa sensação começa a instalar-se no mais comum quotidiano. Por mim, e porque fui  "educado" por muita "porrada", voto a estes "cromos" o melhor da minha indiferença. Mas ando com o coração nas mãos pela exposição dos que abrigam o meu afeto; porque o cérebro destas multidões está formatado apenas para uma coisa: o seu umbigo.

Perdoem-me a imodéstia, mas eu quero viver! Quero estar vivo até morrer!

Quero sentir os afetos, quero procurar, quero colocar um “like”...com gosto, porque não?!
Viajar?!
Não tenho tempo a perder com viagens, mas adorava fazer o Trans-siberiano entre Moscovo e Vladivostok, passando por Pequim. 15 dias e 14 noites para atravessar a Ásia e conhecer a tranquilidade das culturas da Rota da Seda, numa perfeita simbiose com a magia do comboio. Aviões?! Todos reciclados para que as pessoas voltassem a ter tempo para pensar.

E, no tempo que me restar, como Pessoa, quero sentir exageradamente.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

esta ternura

esta ternura
que me consome

esta ternura
que é ternura
sem saber

esta ternura
este mar
onde nado

e me deixa
a alma extenuada


domingo, 24 de novembro de 2013

fuga

A questão não é nova.
Espinoza concluiu que "a maioria das pessoas é ruim".
Schopenhauer, que "100 néscios empilhados não dão um único homem razoável".
Não é preciso inventar mais para reconhecer na vida, uma fuga.
Claro que continua a ser bela, nas suas subtilezas, imponderáveis, escolhas, desejos..., mas é uma fuga.
Em última análise, uma fuga permanente na direção de nós próprios e do que amamos.

sábado, 23 de novembro de 2013


Foto


Somos sozinhos em tudo o que amamos.

Novalis

os meus botões

Quando mais evidente se torna, nos outros, a ânsia de protagonismo, melhor me sinto com os meus botões. Na verdade , é para mim um enorme prazer, não pertencer a uma espécie de humanos que pisa as mais elementares regras de educação, descrição e de respeito pelo outro, imbuídos que estão por uma sede de visibilidade e de duvidosos objetivos. E se para mim, sentir carinho por alguém, implica respeitar o seu universo; angustia-me sinceramente observar o planar de certos espécimes.

neta IV

neta

sensibilidade
inteligência
dinamismo
sentido de humor
non sense
ternura
atenção
perspicácia
...e muitos ganchinhos no cabelo

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

não quero o primeiro beijo





Não quero o primeiro beijo:
basta-me
o instante antes do beijo.
Quero-me
corpo ante o abismo.
Terra no rasgão do sismo.
O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor não tem depois.
Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.

Mia Couto
imagem - Beautylife

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

as lágrimas e o riso




















Tenho uma relação
estranha
com as lágrimas
e outra estranha relação
com o riso.

Sinto-me confortável
com as lágrimas
não me sinto confortável
com o riso.

As lágrimas
não magoam
o riso
pode magoar.

Além disso
o riso é exterior
social
duro
passa apressado.

As lágrimas
são íntimas
privadas
ás vezes secretas
sentam-se
e ficam um pouco
a conversar...



quinta-feira, 14 de novembro de 2013

a amoreira e o limoeiro





Subiu a rapariga para cima da amoreira
e ao cimo do limoeiro, subiu o homem também.
Uma aranha os enlaçou, e tudo aquilo que é belo
não deixa que se separem.

Canção malgaxe, in Herberto Helder, "Poesia Toda"

precious love


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

encantamento





















melhor fora
que vos não vissem
meus olhos
senhora...

pois sempre
que tal sucede
é minh´alma
quem paga
em ardor
pelo encantamento
em ver-vos

contudo
inda assim
tal sofrimento
é tão desejado
...senhora




díez centímetros de silencio

Hay díez centímetros de silencio
entre tus manos y mís manos
una frontera de palabras no dichas
entre tus lábios y mis lábios
y algo que brilla así de triste
entre tus ojos y mís ojos

Mário Benedetti

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

correr à chuva






Graças aos imponderáveis da meteorologia e aos hábitos desportivos em espaços cobertos, há muito que não saboreava uma corrida à chuva. Hoje pude fazê-lo.
Trata-se de uma relação muito íntima com a dimensão divina com a Natureza.
Qualquer coisa dura e doce, que nos põe todos os sentidos à flor da pele, ajuda a arrumar alguma nostalgia dorida...mais teimosa  e acalma a alma, com a mesma suavidade com que  acaricia o corpo.
Um banho de natureza...em silêncio.



terça-feira, 5 de novembro de 2013

how fragile we are...




o inconsciente

O inconsciente, é o domínio mais extenso do nosso espírito e, devido a essa inconsciência, é a nossa África profunda, cujas fronteiras desconhecidas para nós, se estendem talvez até ao infinito; a face escondida da lua do nosso espírito que nunca se volta para a luz da consciência.

Jean-Paul Richter, in "Dicionário do Inconsciente"

as paixões

As paixões têm uma poderosa influência sobre o organismo, podendo torná-lo doente ou matá-lo. Mas graças a esse poder, elas podem também, em certas condições, curar o organismo.

Johann Christian Reill, médico, in "Dicionário do Inconsciente"

domingo, 3 de novembro de 2013

memória




os dedos
com que
toquei
ao de leve
a tua pele
têm
memória
de elefante

"vida ativa"

Já tentei várias vezes escrever algo sobre a minha "vida ativa", até 2005, mas ainda não fui capaz.
Sinto-me tão bem agora, nesta nova vida ativa...interior,... emotiva, física também, que não me parece justo perder um tempo tão precioso, que me é necessário para fazer o contraponto entre as emoções, os sentimentos e as novas questões que a vida coloca, e lhe trazem sentidos tão intensos e renovados.

           Sala de Comando de Tráfego Ferroviário                                                                                            

o sentido da nudez

"Não é o dinheiro que faz de si uma pessoa bem vestida, é o discernimento."

Christian Dior

Cá está porque eu sempre me senti melhor sem roupa! Com toda a seriedade o digo.
Uma pessoa para estar bem vestida, não precisa ter roupa a cobrir o corpo. Aliás, a roupa foi uma imposição do clima, que o homem transformou num dos muitos maus hábitos que inventou ao longo dos séculos.
A roupa não passa de uma mentira, em muitos casos. Senão vejamos a "elegância"de certas pessoas enquanto vestidas, que se esfuma logo que se despem, ou pelo contrário, possuidoras de uma elegante nudez que desaparece logo que se vestem.
Estamos pois, perante um estado de alma, quer se trate de ter roupa no corpo ou não. A elegância está na alma. Nem sequer está num corpo nu e escultural.
Estou convicto pois, que a naturalidade da nudez, foi algo que se perdeu, e é pena, em detrimento de um sentimento de culpa e falso pudor que nos impede de sermos nós próprios, na liberdade da nudez.

Uma personagem do livro "Maíra", do antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro, uma freira católica que se apaixona por um padre de origem índia, e o acompanha quando este  resolve regressar ás origens é à sua tribo, desiludido pela formação recebida no seminário, é um exemplo paradigmático desta convicção.
Ela chega à aldeia vestida como qualquer ocidental, mas sente-se de imediato desconfortável perante a nudez tranquila das mulheres indígenas. Uma nudez esplendorosa segundo os parâmetros ocidentais, mas simplesmente natural segundo os parâmetros indígenas. Os risinhos marotos mas puros,  das mulheres nuas perante a mulher vestida, sublinham toda essa naturalidade.

Mas falta reflectir um pouco sobre o papel do dinheiro nesta história, já que o Christian Dior o coloca em plano de destaque.
O dinheiro ...a menina dos olhos do capitalismo, desenfreado ou não!
Sim. Se quisermos vestir-nos temos que comprar roupa, que não precisa ser cara para cumprir as suas funções, associadas à elegância e ao conforto. Mas eu não consigo libertar-me da questão central - a nudez, e da contradição entre ter que gastar dinheiro para não ofender o pudor alheio e estar bem comigo. Tanto mais que me sinto invariavelmente desconfortável  com a roupa que compro. Uma sensação tão diferente da que sinto, nu.
Esta última, para mim, é uma sensação da natureza dos sonhos, da dignidade e dos sentidos que tão caros me são. Na verdade só me sinto desconfortavelmente "nu" se for obrigado a partilhar sentimentos e emoções, com alguém com quem não tenha a menor afinidade ou empatia. O que não é o caso.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

segredos







Em cada um de nós há um segredo,
uma paisagem interior
com planícies invioláveis,
vales de silêncio e
paraísos secretos.

Antoine de Saint- Exupery
imagem -  Tuareg, Sahara, in "Life and Art"

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

a irracionalidade do improvável

Os movimentos do corpo no meio aquático têm qualquer coisa de sensual e terno. A caricia constante da água  talvez tenha  ajudado a instalar na mente a reflexão de hoje enquanto nadava: a inacessibilidade do amor.
...Do amor tanto mais intenso quanto dorido e improvável. Que invertidamente pode ser transportado num olhar, num toque, numa palavra e que, não obstante a instantaneidade, trazem associada uma tremenda agitação.

Qualquer amor é irracional?
Sim. Se fosse racional não era amor.
Contudo o amor possível, provável,... cultural, tem qualquer coisa de racional que lhe possibilita o acto de respirar.
O amor impossível não pode respirar.
Vive na imponderabilidade agridoce do tempo. Mas não duvido que lhe assenta por direito, o verdadeiro - até que a morte...




terça-feira, 29 de outubro de 2013

gente bonita






Tem gente que é tão bonita por dentro que eu desconfio que come flor!

Andrea Beheregaray

amor mudo

Ardendo de amor, as cigarras
cantam.
Mais belos porém
são os pirilampos,
cujo mudo amor
lhes queima o corpo.

Canção camponesa do Japão
Herberto Helder, in "Poesia Toda"

10 razões

Amo-te, primeiro por teus cabelos em rabo de gato.
Segundo, amo-te pelo modo como falas.
Terceiro, amo-te por causa do teu rosto admirável.
Quarto, amo-te pelos teus vestidos, que são da cor do teu rosto.
Quinto, amo-te porque trazes ganchos nos cabelos e trazes na mão um leque da China.
Sexto, amo-te por causa dos teus cabelos negros.
Sétimo, amo-te porque os teus pais um dia te puseram no mundo.
Oitavo, amo-te por causa dos teus olhos de fénix que me olham profundamente,
Nono, amo-te, porque estamos unidos um ao outro.
E amo~te, em décimo lugar, porque é a mim unicamente que te desejas unir para sempre.

Poema indochinês
Herberto Helder, in "Poesia Toda"


perfume de maçã

Como és bela bela, como
és bela, ó amor, ó delicias.

No teu impulso, és como a palmeira -
teus seios são cachos de tâmaras.

Sejam teus seios como cachos de uvas;
teu hálito, perfume de maçã;
tuas palavras um vinho delicado.

Cântico dos cânticos de Salomão
Poema 5º
Herberto Helder, in "Poesia Toda"

fénix

ainda não percebi
que não tenho
sobre mim
aquele olhar
de fénix
profundo
e terno
que me
queimou o corpo

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

natura

Quando falamos em fauna, as imagens que nos surgem de imediato na mente, são as de animais de grande, médio e pequeno porte. Esquilos e coelhos seriam os bicharocos do fim da lista.
Errado, pois claro!
Na verdade existem animais que  podemos classificar de micro-fauna e ainda de macro-fauna.
Pessoalmente já tive encontros imediatos de 3º grau, como toda a gente, aliás, com a macro-fauna, isto é, moscas , mosquitos, etc...
O que nem toda a gente terá tido, é encontros com elementos da micro-fauna que existe na natureza, com o mesmo estatuto que a chamada grande-fauna...:-)
Já tive dois encontros desses. O primeiro foi há algum tempo quando trabalhava na minha horta. Devo dizer que a minha horta não tem vedações e tem muitos espaços que procuro manter selvagens, para que os pequenos seres vivos possam, também eles, ter alguma qualidade de vida :-).
Voltando ao encontro, ele acontece quando de repente vejo aos meus pés um ratito do tamanho do meu polegar, caído como morto mas ainda a respirar. Um ratito do campo... também conhecido por ratito "cabrera". Peguei-lhe cuidadosamente e vi um focinho adorável, que abria com dificuldade os olhitos. Fiquei desolado. Certamente tinha-o atingido inadvertidamente com a enxada, e o coitado não teria mais que breves minutos de vida. Na verdade o conceito de tempo nestes seres é diferente do nosso. Apesar de viverem menos tempo que nós, viverão provavelmente mais intensamente...não sei.
Como estava muito calor, abriguei o ratito debaixo de algum pasto e, a espaços, ia vigiando o seu comportamento. As esperanças eram muito poucas. Então, ao baixar-me uma vez mais afastando o pasto protector, o meu amigo dá um repentino salto e foge dali para fora por cima dos torrões!
Não consegui conter um grito de alegria e entusiasmo.
O segundo encontro foi hoje. E foi com um sapinho que ficou com uma perna presa no barro consistente e húmido. Passei momentos de grande tensão a retirar a pernita, com medo de a arrancar ou partir. Finalmente consegui. Coloquei o sapinho na palma da mão e acho que os seus olhos super ternurentos me agradeceram.
Dois finais felizes portanto :-)
Nunca irei esquecer estes dois momentos e o seu significado quanto ao equilibro entre a vida e a morte.


domingo, 27 de outubro de 2013

presente da neta






O presente de aniversário da minha "coi-si-ta" (neta) :-) em 16-09-2013.
Trata-se de um retrato de família, numa perspectiva abstrato-impressionista, segundo me parece. Eu estou em baixo do lado direito, como se pode ver. :-)

tempo e silêncio


sexta-feira, 25 de outubro de 2013

me quedo contigo


clandestino


elegância/ostentação vs amor/assédio

Parece-me interessante reflectir sobre a natureza simétrica destes dois binómios, que é a mesma, ou seja, de natureza estrutural.
As mesmas também são as naturezas intrínsecas, opostas e inversas de cada um dos 4 conceitos, se os agruparmos, agora em: elegância/amor e ostentação/assédio, onde a diferença é de conteúdo.

A elegância, que vem dos sentimentos é irmã do amor e apela aos valores da alma, da ternura, da ética.
Do outro lado, o da ostentação e do assédio, também existe uma relação íntima cujo principal pressuposto é a violentação do "outro".

Provavelmente esta constatação não tem nada de novo.
Mas é perturbador notar que tanta gente por esse mundo fora, ainda não tenha percebido esta diferença...

a água

Palavra de honra, que só agora reparo que afinal tenho uma relação muito forte com a água.
- O tempo que permaneci na placenta a reflectir de forma inconsciente.
- As histórias que a chuva me conta, trazidas dos lugares mais fascinantes.
- O prazer imenso em nadar, que nada mais é do que voar...
- E que dizer, de navegar à vela num permanente diálogo com o mar e com o vento?!... Sim,  porque o mar e o vento questionam constantemente. Obrigam a uma relação intima com o barco!
Temos que formar um corpo apenas, como se de uma relação sensual se tratasse...
Navegar em mar aberto com vento de sotavento de 30 nós...é sublime!

placenta















Provavelmente, a única boa experiência maternal que tive foi enquanto estive na placenta. Só assim se explica o enorme prazer que sinto ao nadar de olhos fechados. Bem...na verdade abro os olhos a cada 4 segundos :-), para corrigir a trajectória, :-) o que perfaz 3/4 do tempo total de olhos fechados.
É um tempo único, que me permite profundas reflexões..., não obstante a minha concepção de tempo ser diferente da maior parte das pessoas, pelo menos as mais novas. Creio que com a idade a minha contagem do tempo passou a fazer-se de forma cíclica, como os maori, e não linear. Mas é curioso que não dei por isso. Foi talvez uma transformação inconsciente.
Tanto,  me faz. A verdade é que durante o referido período, o tempo parece estar parado... e as emoções, em vez de passarem por mim...permanecem...doces.
Como estou na água não me apercebo se me saem lágrimas dos olhos...mas acho que sim.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

longe...





...
Longe,
A verdade serena do seu rosto
É que faz este dia verdadeiro...

Miguel Torga (excerto)

a chuva e o amor















será chuva?
será amor?

a chuva
é total
é intensa
sente-se
no corpo
e na alma

como o amor

chuva

Pronto...está bem! Todos sabemos que os nutrientes  da água da chuva são ótimos para as plantas, a ponto de, de um dia para o outro se notar um rápido crescimento associado a um aspeto mais saudável.
Mas apetece-me reflectir de outro modo sobre as pequenas gotas da chuva...
Terão "subido ao céu", através do processo de evaporação claro, em que região do mundo?
Na Nova Guiné? Na Ásia Central, na região da Rota da Seda? Em Samarcanda a cidade mágica? Na imensidão da Patagónia?
Então...que pessoas e emoções terão conhecido estas pequenas gotas antes de viajarem até ao meu quintal?
Sinto-me perante a incapacidade das palavras, de que fala o Lobo Antunes, para descrever o que sinto.

Isto afinal é uma questão imensa e profunda...
Será que, o que torna as plantas tão lindas, é a felicidade por ouvirem as histórias contadas pela chuva?...

É tão fácil sentir os olhos molhados, de uma água que, também ela irá viajar um dia...


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

aquilo que sei




















...Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos só podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos refletem. Tu és aquilo que sei sobre a ternura. Tu és tudo aquilo que sei.


José Luís Peixoto, in "Escuta, Amor" (excerto)
imagem - Santuário de Nossa Senhora D´Àires

terça-feira, 22 de outubro de 2013

o amor é...

O amor é a união de duas solidões que se respeitam.

Ranier Maria Rilke

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

comigo














ama-me

quando quiseres
onde quiseres
se quiseres...

eu?!
estarei comigo
à tua espera
no tempo

sábado, 19 de outubro de 2013

gracias, Vinicius.


exercício físico


Fazer exercício físico (leia-se estado de espírito) por entre o silêncio das árvores, na companhia de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, provoca um estado de alma que obriga a intensificar os movimentos do corpo para fugir  das emoções...

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

os teus gestos





Os teus gestos são música. São lume.
São a respiração do teu olhar.
A seara de espigas que ondula no meu corpo...

Joaquim Pessoa (excerto)
imagem - Jair Ferreira

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Deram-me o silêncio...






Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade...

Adolfo Casais Monteiro

terça-feira, 15 de outubro de 2013

no teu rosto

No teu rosto
competem mil madrugadas

Nos teus lábios
a raiz do sangue
procura suas pétalas

A tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo o meu sossego


Mia Couto


domingo, 13 de outubro de 2013

amor














amor é a coisa que eu mais quero...

Adélia Prado


as mãos

o carácter
das mãos

é
o nervosismo
e a doçura
com  que
falam,
sublinham,
desenham
e amam
as palavras,

ás vezes
trémulas.

sábado, 12 de outubro de 2013

eu?!






e
de súbito
tu

eu?!
já estava
contigo


imagem - François-Henry Galland


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

levada







não há
silêncios
de ti

todo
o universo
se agita

percorrido
por uma levada
de afecto