sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

o império da ilusão














Vivemos em pleno império da ilusão. 
Graças à televisão, que difunde de forma massiva e permanente, conteúdos  construídos, anunciados como realidade, ou entendidos como tal, através de noticias de importância virtual e direcionada, jogos, concursos e novelas, a mente coletiva acomodou-se, ficando interdita à vida.
Nos breves momentos de liberdade que têm, muitas pessoas repetem gestos e palavras, pateticamente, para se não sentirem "desamparadas".
Institucionalmente, viver,  passou a ser; copiar e imitar, ao invés de de criar e sentir.

Aquilo a que a mente coletiva convencionou chamar de vida, é:
o fim de semana, as férias, as quadras festivas e todo o tipo de eventos e carnavais.
O resto do tempo é uma maçada, que se deseja passe depressa.

Os pais têm pela frente uma tarefa gigantesca, que não podem recusar, se quiserem ensinar os filhos a desfrutar a vida. 
A receita é simples: na vida cabe tudo, menos a banalidade!


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

lonjura

não

eu não quero
que o amor morra

na lonjura

nada de novo

Sentir como meus, momentos dolorosos que não são meus, não é novo para mim... porque é, em mim,  uma consequência lógica.

Não é novo, na medida em que não sei sentir os afetos, de outra forma. Ou seja, dando na totalidade, aquilo que sou.
Não sei encenar o ato de viver.

Não sei, nem quero saber, adaptar-me ao mundo.
Quero adaptar-me a mim próprio.




tormento





















Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados à garganta
Num clamor de loucura que contenho.
(...)

Florbela Espanca 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

alimento


Foto: Hoje precisava de te dizer que só os pequenos amores resistem com pequenas palavras. Com um simples “amo-te”, com um doce “és linda”.

Só os pequenos amores resistem com pequenas palavras.

O nosso é grande demais para sequer resistir com palavras como as outras, com palavras que já existem, com palavras que alguém um dia, por tanto serem ditas, colocou num dicionário.

Não. O nosso exige palavras novas e grandes, como “amotecomócaralhomeudeus”, ou “amoteatéaofimdosossosfodase”, e tantas outras que todos os dias e todas as noites, na cama, no sofá, na rua e em todos os locais em que nos amamos (e nós amamo-nos em todos os lugares, graças a Deus), vamos inventando para dizermos um ao outro.

É a nossa maneira de nos fazermos em palavras.

É a nossa maneira, ainda assim incompleta, de nos dizermos inteiros ou nenhuns.

E não somos nada saudáveis, nada recomendáveis, nada equilibrados.

Queremos a total pertença ou preferimos a total ausência.

Pode ser impraticável manter esta força, este tesão, esta intensidade, este “éagoraoununca”, este “oumedástudooubempodesdesandardaqui” para sempre.

No fundo, tu sabes e eu sei que podemos muito bem ser impossíveis.

Mas para que merda serve o que é possível?

Pedro Chagas Freitas


que a minha
alma
possa
iluminar-se
a espaços
breves

alimentada
de ti





segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

aceno

bastou
o aceno
de
um longínquo
breve
e doce olhar
para que
se iluminasse
a minha alma
dorida
de tanto amar

sábado, 22 de fevereiro de 2014

simplesmente





















Não sei encenar o ato de viver.

guardo

guardo
todos os momentos

configurados
na delicadeza
da tua pele
na tremura
das tuas mãos
no brilho doce
dos teus olhos
na ansiedade
dos teus lábios

dizendo...



o desejo

O sonho, representa a realização de um desejo.

Sigmund Freud

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

o teu silêncio

toca-me
com o teu silêncio

te amo


incontidamente

não posso conter
as palavras
que povoam
esta infinita
vontade de dizê-las
escrevendo
incontidamente...

és a água

és a água
onde nado

tépida
carinhosa
profunda e
docemente
penetrada

agitada
pelos espasmos
do amor

margens

na alma
corre-me um rio
de
indomável corrente
em direção à foz

num caudal
turbulento
entre margens
de amor


toque de alma

um leve
e muito breve
toque de alma

e tudo estremece
na emoção
ansiosa
do desejo

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

recusa

A informação sobre o que acontece à nossa volta é tão pouco importante, quando comparada com o que de facto fazemos,  pensamos ou escolhemos, no recanto da nossa existência.
É aí que se encontra a verdadeira escora desta obrigatoriedade de viver.
Sim. Viver é uma obrigatoriedade. Uma obrigatoriedade que esvazia qualquer evento ou retórica de suposto "interesse coletivo", com que pretendem entupir-nos, jornais, televisões, cartazes e afins.

Só assim pudemos sentir o sabor agridoce da liberdade.
Viver é um processo permanente de recusa.

Eu, por exemplo, recuso-me a estar longe da minha neta...mas às vezes tem de ser. :-)


água

água
minha amante
minha confidente
é dentro de ti
que me sinto

plenitude
de corpo e alma
que massajas

dissolvendo
as lágrimas
que não cabem
nos meus olhos
e te salgam
de secreta amargura

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

estranhamente

Estranhamente, sinto necessidade de atualizar a página dos sofrimentos, com medo que tenha por momentos esquecido algum. E um sofrimento esquecido é dramático. Um sofrimento esquecido deixa-nos de algum modo mutilados na alma.
Na verdade tenho medo é de não ter motivos para sofrer. Que é o mesmo que não ter motivos para amar. Que é o mesmo que não amar.

sonho-te

sonho-te
até à exaustão
para
não interromper
o sofrimento

sentir-me-ia só...
...sem ele

o tempo e a alma

O tempo é justo.
Mas para que o tempo seja justo, temos de nos escorar em nós próprios e naquilo que honestamente somos. 
Eu sou a minha alma e a minha alma sou eu. 
E o sofrimento... o sofrimento é irmão da dignidade e do amor.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

escolha

A elegância, que vem dos sentimentos, é irmã do amor e apela aos valores da alma, da ternura, da ética.
Do outro lado, o da ostentação e do assédio, também existe uma relação íntima cujo principal pressuposto é a violentação do "outro".

Para quem tem o amor na alma, é fácil escolher.

chapéu

Desde criança que o uso de chapéu me fascina, contudo só agora, com estatuto de avô, me sinto legitimado a fazê-lo.
Meus avôs usavam chapéu e foi através dessa observação que percebi a sua importância, não apenas como objeto de ostentação, mas também como proteção ou como linguagem socio-cultural. É sobre este último aspeto que me apetece refletir

Naquele tempo eu notava mais a presença do chapéu nos momentos em que era retirado da cabeça, do que nos momentos em que ali permanecia colocado.
Diria que, nos momentos de colocação, momentos em que tinha de facto uma função protetora ou de ostentação, -  e não ponho nenhum preconceito no termo ostentação -  nestes momentos dizia, era como se não existisse chapéu.
A sua existência notava-se quando era retirado da cabeça, porque o utilizador entrava num espaço público ou de grande importância social, ou quando cumprimentava alguém. Eram momentos de uma enorme diversidade plástica, diria, pelas diferentes formas de cumprimentar "com" o chapéu.

- Cumprimento a uma personagem de elevado estrato social: o chapéu era retirado e permanecia na mão.
- Cumprimento a uma mulher, ou a homem de alguma importância social: o chapéu era retirado momentaneamente e colocado de novo.
- Cumprimento simples a personagem de igual estatuto: o utilizador pegava suavemente com dois dedos, na aba ou no bico do chapéu, e largava-o sem o retirar da cabeça.

A conclusão a que podemos chegar, é que a principal função do chapéu era a de ferramenta de cumprimento, e de manifestação de respeito pelo "outro", não necessariamente  entendido como rebaixamento da dignidade humana. Uma linguagem!

Por mim posso confirmar que sinto um enorme prazer em retirar o chapéu para cumprimentar, e acredito que o cumprimentado também se sinta bem.




homenagem a Al Mu´Tamid











...diz: quando será curada
a ardência do meu coração
com o fresco toque dos dentes
que na tua boca estão?

Al Mu ´Tamid



Beja. Banho de islamismo através da audição de dois especialistas: Abdallah Khamli, marroquino e doutorando em Cultura Islâmica em Beja, e Adalberto Alves, provavelmente a maior autoridade em Portugal em cultura árabe, autor dos livros, "O meu coração é árabe" e "Al Mu´Tamid o Poeta do Destino".
Analisado o contexto social, cultural e político da época em que viveu o rei - poeta Al Mu´Tamid e a sua obra poética.
Al Mu´Tamid, o poeta do amor,  nasceu em Beja e morreu em Aghmat, Marrocos, para onde foi desterrado depois de derrotado pelos Almorávidas.

Cereja em cima do bolo: à noite, Janita Salomé com 2 músicos marroquinos, 2 andaluzes e 2 portugueses proporcionam uma viagem com Al Mu´Tamid, através de sonoridades improváveis e maravilhosas.
Um piano em música árabe e uma poderosa e emotiva voz marroquina...

Allah e Al Mu´Tamid estiveram ali!!! :-)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

doce turbação

“Que Alá mantenha a minha turbação
Pois trouxe à minha alcova aquela formosura.
Se de mim a aproximou uma aflição
Quero esta enfermidade com ternura.
Eu sofria, ela veio: são minhas dores contentamento.
Fica ó doença! Já que és bênção.
Alá eu te suplico: mantém meu sofrimento!” 
Al-Mu’tamid

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

em ti







- Não percebes? Eu venho procurar lugar em ti.
Explicou suas razões: só ela guardava a eterna gestação das fontes.
Sem eu ser ela, eu me incompletava, feito só na arrogância das metades. Nela eu encontrava não mulher que fosse minha mas a mulher de mim, essa que, em diante, me acenderia em cada lua.
- Me deixa nascer em ti.

Mia Couto

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

tanto encanto...

é
nas profundezas
da alma
que o tempo
e o amor
vivem
sem  medida
livres

mas

a luz
de um olhar
tem tanto encanto


o amor

O amor só dura um dia, e esse dia não tem fim.

Jean-Paul Bourre, in "Sabedoria Ameríndia"

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

o comboio das 4





Esta imagem remete-me para um tempo, em que viajava entre Beja e Cuba, num mágico comboio recoveiro puxado por locomotiva a vapor. O comboio recoveiro era composto por 20 ou 30 vagões de mercadorias diversas, e uma deliciosa carruagem de madeira com varandins aos topos. Um objeto do início do século XX.
Era o mágico comboio das 4.
Só tinha hora certa para partir. 
Em todo o restante trajeto, o horário de chegada e partida era uma incógnita.
O tempo não voava como agora. A pachorrenta e resfolgante locomotiva, jamais permitiria que o tempo voasse.

Este pequeno trajeto fazia as delicias dos alegres "bandidos"que viajavam diariamente, a caminho da escola. 
No regresso, com os livros espalhados pelos bancos, tinham lugar as aventuras mais incríveis, que podiam ir até à descida e subida em andamento, aproveitando a velocidade (louca) de 10 km/hora, na subida do Carrascal. :-)

o que me habita




O que me habita, não é o desejo de possuir mas o de ser amado, intensamente.

Imagem - Matisse

sem presente






Sem presente, o momento pertence à nostalgia e ao desejo.

para dizer-te

para dizer-te

o poema
deve ser
curto e breve

para que as palavras
não ardam
de paixão

por te dizerem

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

no olhar

o amor
que trago
no olhar
denuncia-me,
por isso
me escondo
de ti.

o tempo dos sonhos














(...)
O tempo dos sonhos
sem coragem para puder vivê-los
com razões demais para puder viver
com uma força tão grande que temos que abafar
no fragor dos versos disfarçados.

António Ramos Rosa, in "O Tempo Concreto" (excerto)

refúgio
















O nosso amor nasceu deste martírio
da alma suspensa na encruzilhada.
Refúgio foi o nome que nos demos
sedentos de ternura e de paisagem.

António Luís Moita, (excerto)

o tempo do silêncio

















O tempo do silêncio
em que o riso postiço dos fregueses da vida
finge ignorá-lo enquanto soluçamos
de raiva de razão reprimida revolta
e os senhores de bom senso passeiam divertidos

António Ramos Rosa, in "O Tempo Concreto" (excerto)

domingo, 9 de fevereiro de 2014

no vento...

se a minh´alma 
voasse
no vento
sobre o abismo...

metáfora




                                                    Será o amor, uma metáfora?

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

sempre os afetos

A incerteza, a dúvida sobre o bem estar dos afetos, sempre foi um dos meus pontos fracos. Não suporto.
Um turbilhão de ansiedade e perturbação se instalam no cérebro, na alma... podendo dar origem a dias, semanas, meses, de reduzida racionalidade, até as boas noticias chegarem. Então a felicidade explode no peito. Um breve mas único, momento em que apetece dançar à chuva.
E por fim a moleza muscular, consequência do aliviar da tensão prolongada.

silêncio de pedra

A injustiça arranha a alma, mas, quando associada à dúvida, duplica o seu poder destrutivo.
O que sinto tem um nome: devastação.
Resta-me a convicção de que a verdade é um processo em movimento, que não pára até florir.
Entretanto,  deste frágil refúgio, lanço pedaços da alma ao vento, na esperança que ele os transporte nas suas asas e os deposite onde pertencem, com a paz, dignidade e confiança onde cresci e alimentei o sonho.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

tanta alma...

e sobra-me
tanta alma...


amor impuro




O nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce e vive
além do tempo...

Mia Couto

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

sono de amor


...Se basta que de mim te lembres
para que o sono facilmente venha
porque não hás-de dar-me, amor, a paz
com que o meu coração há tanto tempo sonha...

Raul Carvalho (excerto)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

espero-te

espero-te
em todos os lugares
em todos os momentos
da tua ausência.

luz

(...)
há mais luz
no tempo branco de um sol a sul.

Sandra Guerreiro Dias, in exposição da Biblioteca Municipal de Cuba

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

liberdade

 liberdade é pensar
 liberdade é uma contemplação





catarse






Procuro sempre associar ao sofrimento e à dor, um sentimento de catarse que me ajuda a senti-los parte do corpo e da alma.
De algum modo resulta, quando se trata de sentimento e dor relativos a factos conhecidos, evidentes.
Quando pelo contrário, só se pode fazer a associação com a dúvida e a estranheza, tudo adquire outra dimensão que aumenta conforme a sombra  e a mágoa.

Os grandes afetos, isto é, os afetos únicos, são por excelência o habitat natural deste paradigma.
E aí, podemos vir a sentir-nos num quarto escuro, completamente escuro e desconhecido, sem possibilidade de encontrar referências de apoio que nos ajudem a entender. Simplesmente, entender.

Tratando-se deste tipo de afetos, importa juntar, por fim, a preocupação profunda e dura, pelo "outro". Preocupação que em mim, se revela muito maior do que seria se fosse por mim próprio.

Aqui não se aplica a notável reflexão de Clarice Lispector: O Paradoxo do entendimento, porque existem factos estranhos que raramente trazem algo de bom, principalmente se surgem de repente nas nossas vidas. É doloroso...simplesmente. 

domingo, 2 de fevereiro de 2014

só se for triste...


carnis valles






Libertação, consagração, exibição/ostentação - as três fazes por que passou o Carnaval, desde o seu nascimento com a cultura grega.
Libertação - festas e agradecimento aos deuses pela fertilidade da natureza.
Consagração - libertação dos prazeres da carne (carnis valles).
Exibição/ostentação - domínio da cultura do marketing.

Curiosamente, nas duas primeiras fases,  o anonimato e a privacidade estão presentes, dando conta da importância do respeito pelo eu e consequentemente pelo "outro", mas também pelos incontornáveis prazeres da carne, evidência que a própria Igreja Católica não conseguiu apagar.

Confesso-me  desinteressado pela fase da exibição/ostentação.
Pelo contrário, revejo-me profundamente na libertação e consagração, momento que vivi enquanto ritual de passagem. 
Sempre me fascinou interagir com o "outro", durante o ritual do Carnaval, de forma anónima, respeitosa e louca. Mas sinto que essa perespetiva está "ultrapassada" pela  perespetiva construída da ostentação.

Assusta-me vestir-me de palhaço e não poder mostrar a minha alma.



sábado, 1 de fevereiro de 2014

anonimato

Os verdadeiros momentos são os que protagonizamos no anonimato da nossa existência.
Os acontecimentos públicos, os eventos, nada mais são do que construções. Construções que pertencem à esfera do efémero, da ilusão, do vazio. Construções produzidas com uma finalidade clara e objetiva de entreter, adormecer a mente. Isto é, desativar as maravilhosas dicotomias do cérebro e da alma.
Não é justo chamar a isto: momentos.
São sim, períodos de tempo estruturados para "demonstrar" que o acto de pensar, é nefasto e triste.

O que me empurrou para esta reflexão, foi o facto de um dos meus cães, numa linguagem que só eu entendo, :-) me ter pedido uma carícia sentando-se junto a mim, após o que olhou de forma nostálgica para o céu. Seguindo o seu olhar, deparo com um firmamento impressionante!
Há muito que não olhava à noite, um céu estrelado...
Como é possível ter perdido durante tanto tempo esta noção, tão profunda ?!...
De repente senti-me quase... intimidado...questionado por milhões de estrelas, com uma muito brilhante da qual não sei o nome, a liderar...
No próximo Verão, vou comprar colchões de campismo para me instalar com a minha neta no quintal, deitados de costas, e conduzi-la numa viagem pelo pensamento, dialogando com as estrelas. :-)