sábado, 30 de junho de 2012

navegar...

...o cursinho de vela de cruzeiro no estuário do Tejo.


 navego nos sentimentos
aporto emoções

atenção á genoa
cáça a vela grande
vamos virar de bordo

temos um sudoeste de
15 nós
é bom...

mantem o rumo
ao pilar da ponte

ao pilar norte

aproa aos afectos

suavemente
para não bater
no pontão

palavras cruzadas

É surpreendente como palavras longínquas escolhidas pelo inconsciente, se associam ao presente e nos ajudam a construir as pequenas verdades, que nos sustentam neste universo de mentiras programadas e entrançadas.
Na verdade, o sabor magoado da mágoa de magoar, é fruto do sentimento profundo de angústia e desgosto pelas lágrimas do "outro".
É evidente a força do inconsciente, nas palavras e nos actos que escolhemos. E se calhar não devemos mesmo ter medo dos nossos sentimentos, como diz Pessoa, e sentir sem medida uma imensa felicidade ou uma angústia profunda, pelo "outro".
A propósito - não será a amizade pura e dura na sua autenticidade, uma forma de amor?
A mim, tanto me faz, desde que eu sinta uma felicidade imensa ou uma profunda angústia, pelas pessoas a quem desejo todo o bem estar e ternura do mundo.
Os afectos são complexos e de natureza dinâmica. Não são inertes. E perder alguém, do ponto de vista afectivo, é dramático.

O primeiro post deste blogue, "gazela" não terá surgido por acaso. Ele reflecte um respeito enorme pelo "outro", que sempre me acompanha e sempre será o meu credo e a minha fé.
Seja em que circunstância for.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

O ninho do cisão

rodeia-me
o silêncio...

 ...e o vento suão
que traz consigo
a magia do deserto

rodeia-me
o misterioso pasto dourado

onde algures
o cisão fez o ninho

não sei onde
nem quero saber

não quero perturbar
o cisão

a luz da vida

alegria
tristeza
amor
desejo
contentamento
misericórdia
arrependimento
esperança.

a cal

É sobejamente conhecida a simbiose entre a cal e o Alentejo.
Não o é tanto, o processo construtivo, apetece-me chamar-lhe criativo, que a antecede, isto é, o acto de caiar.
Um processo que me parece ter imenso que ver com a pintura, sendo que, não se dispõe de uma paleta de cores mas apenas de uma: o branco. Na verdade, é muito semelhante, a relação de intimidade que se experimenta ao preparar tintas e preparar cal.
Mas o que é único e fascinante no acto de caiar, é assistir ao vivo á integração e interacção do branco com o espaço envolvente. Um processo vivo entre pincelar, secagem e explosão de brancura organizada, que nos remete, em certa medida, para a simbiose entre caos e ordem.
Um momento emocionante...

quarta-feira, 27 de junho de 2012

basta-me o ruído do mar...




 basta-me
o afecto do vento

basta-me
o afago da chuva

basta-me
o ruído do mar

basta-me
a dor

domingo, 24 de junho de 2012

O limite da lógica























O critério simplesmente lógico da verdade, isto é, um acordo de um conhecimento com as leis gerais e formais do entendimento e da razão, é, decerto, a condição sine qua non e, portanto, a condição negativa de qualquer verdade; mas a lógica não pode ir mais além; nenhuma pedra de toque lhe permite descobrir o erro  que atinge não a forma mas o conteúdo.

Emmanuel Kant, in "A Crítica da Razão Pura"
imagem - c o

quinta-feira, 21 de junho de 2012

magoar magoa.


















Magoar, de forma consciente, está completamente fora do meu léxico. É simplesmente absurdo e irresponsável.
Contudo, é o inconsciente que governa os mais recônditos gestos, ...afectos, sentimentos.
E então, de repente, magoar pode tornar-se fácil. Assustadoramente fácil.
Sem dar-mos conta, podemos inadvertidamente  magoar quem amamos.
No inconsciente, desejo e palavra estão unidos num discurso incessante e nos conduzem ás  camadas mais profundas do ser, numa sinuosa viagem. Todo o cuidado é pouco. E, se magoar é morrer um pouco... podemos a certa altura ter que reconhecer - "hoje morri um pouco".

texto e imagem - c o

quarta-feira, 20 de junho de 2012

poema do amor e da morte



















quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto a mim,  não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar a minha solidão.

quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não

tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"
imagem - c o

terça-feira, 19 de junho de 2012

Mea culpa



















Não duvido que o mundo no seu eixo
Gire suspenso e volva em harmonia;
Que o homem suba e vá da noite ao dia,
E o homem vá subindo insecto o seixo.

Não chamo a Deus tirano nem me queixo,
Nem chamo ao céu da vida noite fria;
Não chamo à existência hora sombria;
Acaso, à ordem; nem à lei desleixo.

A Natureza é minha mãe ainda...
É minha mãe... Ah se eu à face linda
Não sei sorrir: se estou desesperado;

Se nada há que me aqueça esta frieza;
Se estou cheio de fel e de tristeza...
É de crer que só eu seja o culpado!

Antero do Quental, in "Sonetos"
imagem - c o

domingo, 17 de junho de 2012

Antes do sol

















Antes do sol
depois do sol

luz sonora de besoiros urdindo
o verão
ou trama de oiro em fios
no ar
em que te envolvo.

Luísa Freire, in "Ciclo da cal"
imagem - c o

diálogos da alma


sexta-feira, 15 de junho de 2012

A mão silenciosa



















A mão silenciosa percorre o dorso cálido
que é um adormecer contínuo nos limites.
Nada mais que terra e solidão solar.
Nada treme e tudo está suspenso no vazio.
Nada se diz. é o silêncio da palavra.

António Ramos Rosa, in "Dinâmica Subtil"
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quinta-feira, 14 de junho de 2012

Cansa-me o sol...




















Cansa-me o sol de mais quando eu a noite.

Cansa-me o diário conversar
que nada versa
ou versos nada.

Cansa-me a gaiola, asas caídas,
vãs
a ensaiar o voo
para além das grades.

Cansa-me, sobretudo, a ave nela -
presa
livre.

Luísa Freire, in "Ciclo da cal"
imagem - c o

As palavras rebentam costuras...





















As palavras rebentam costuras de renúncia e
prenhes de voz,
despenham-se na boca
a silabar distâncias e lonjuras -

a silabar memórias por baixo do silêncio.

Luísa Freire, in "Ciclo da cal"
imagem - c o

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Coisas que não digo




















Se sempre que faltas,
Não estando,
Estás comigo,
Talvez te ame nas coisas que não digo.

Sou a correnteza de uma levada,
Galgando as margens,
Após as monções do teu sorriso.

Sem ti,
Nada em mim se acende,
Nada em mim teima em nascer,
Nada em mim fala das coisas,
Com que te amo sem dizer.


Fátima Marinho, in "Ama-me, sem me suportares"
imagem - c o

A formosa na orgia


















Flexível, a sua cintura
era um ramo balanceando
sobre a duna das suas ancas
e, nestas, o meu coração
colhia frutos de fogo.

Ruivos, os cabelos assomando
pelas têmporas, desenhavam
a letra "lam" nas brancas
páginas das suas faces,
como ouro derramado em prata.

Estava no apogeu da sua beleza
como o ramo quando se veste de folhagem.

Plena de rubro néctar, a taça,
entre a brancura dos seus dedos,
era um crepúsculo amanhecendo
e encimando a aurora.

Transparecia o sol do vinho
e era o poente a sua boca
e era a mão do copeiro
o oriente, escanciando
e servindo cortesia.

E, desaparecendo o sol,
no delicioso ocaso dos seus lábios,
deixava o crepúsculo em sua face.



al-TALIQ, in " Ladrões de Prazer" (poemas arábico-andaluzes)
imagem - c o

terça-feira, 12 de junho de 2012

Romaria


















No alto do morro chega a procissão.
Um leproso de opa empunha o estandarte.
As coxas das romeiras brincam ao vento.
Os homens cantam, cantam sem parar.
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Senhor, meu amo, dai-me dinheiro,
muito dinheiro para eu comprar
aquilo que é caro mas é gostoso
e na minha terra ninguém não possui.
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Os romeiros pedem com os olhos,
pedem com a boca, pedem com as mãos.
Jesus já cansado de tanto pedido
dorme sonhando com outra humanidade.

Carlos Drummond de Andrade, in "60 anos de poesia" (excertos)
imagem - c o

Os livros





















Os livros. A sua cálida,
terna, serena pele. Amorosa
companhia. Dispostos sempre
a partilhar o sol
das suas águas. Tão dóceis,
tão calados, tão leais.
Tão luminosos na sua
branca e vegetal e cerrada
melancolia. Amados
como nenhuns outros companheiros
da alma. Tão musicais
no fluvial e transbordante
ardor de cada dia.

Eugénio de Andrade, in "5 poemas"
imagem - c o

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Escuta...


















Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida a ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não me demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar.
Para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve...
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Eugénio de Andrade, in "5 poemas" (excerto)
imagem - c o

sábado, 9 de junho de 2012

Ao pé


















Gostava de estar sempre ao pé de ti
mas nunca estou mais perto do que quero
do que longe de ti quando a ti te desejo.
De dia embrulho-te num vestido escuro
para olhos estranhos não me verem.
quero ser sombra se tu estiveres ausente
tal como tu és sombra ao pé de mim:
desde que te amo estou só completamente.

Ulla Hahn, in "A sede entre os limites"
imagem - c o

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O sorriso



















Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.


Eugénio de Andrade, in "5 poemas"
imagem - c o

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Não canto porque sonho





















Não canto porque sonho.
Canto porque és real.
Canto o teu olhar maduro,
o teu sorriso puro,
a tua graça animal.

Canto porque sou homem.
Se não cantasse seria
o mesmo bicho sadio
embriagado na alegria
da tua vinda sem vinho.

Canto porque o amor apetece.
Porque o feno amadurece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
por vê-los nus e suados.

Eugénio de Andrade, in " As mãos e os frutos"
imagem - c o

terça-feira, 5 de junho de 2012

Conto de inverno


















...Há em ti um segredo, ou antes, uma harmonia:
de noite és companheira do vento, 
de dia o sol é no teu peito que se faz materno.

Eugénio de Andrade, in "Vertentes do Olhar"
imagem - c o

Se o vento vier



























De repente, sem saber por onde entrara, eu
tinha a lua comigo. Não era a primeira vez, não,
não era. A primeira vez havia sido há muitos
anos: adormecera na eira sobre o feno, e quando
acordei a lua estava a meu lado e fizera da noite
um interminável e azul lago de prata. Eu flutuava
no luar espesso, pesava menos que uma
folha de papel. Todo o esforço que fazia era para
não me desprender do solo, como se a acção da
gravidade não me dissesse respeito, e flutuar
no espaço fosse a minha vocação. Se o vento vier,
não tenho mais remédio que abandonar-me e ver
até onde me levam os seus espíritos.

Eugénio de Andrade, in "Vertentes do Olhar"
imagem - Matisse, "Nu azul"

segunda-feira, 4 de junho de 2012

...se basta que de mim te lembres



















...Se basta que de mim te lembres
para que o sono facilmente venha
porque não hás-de dar-me, amor, a paz
com que o meu coração há tanto tempo sonha...

Raul Carvalho (excerto)
imagem - c o

domingo, 3 de junho de 2012

mulher nuer

artnet Galleries: Nuer Woman by Hugo Adolf Bernatzik from Throckmorton Fine Art, Inc.: Nuer Woman by Hugo Adolf Bernatzik is available at Throckmorton Fine Art, Inc.. Find comprehensive details on this artwork, contact the gallery, or find more artworks in artnet Galleries.



...a beleza e a serenidade da mulher nuer.
Apetece perguntar: o que é o progresso?

sábado, 2 de junho de 2012

Maasai





Martirizada e bela, África continua a mostrar-nos o sentido da vida...