quinta-feira, 31 de outubro de 2013

a irracionalidade do improvável

Os movimentos do corpo no meio aquático têm qualquer coisa de sensual e terno. A caricia constante da água  talvez tenha  ajudado a instalar na mente a reflexão de hoje enquanto nadava: a inacessibilidade do amor.
...Do amor tanto mais intenso quanto dorido e improvável. Que invertidamente pode ser transportado num olhar, num toque, numa palavra e que, não obstante a instantaneidade, trazem associada uma tremenda agitação.

Qualquer amor é irracional?
Sim. Se fosse racional não era amor.
Contudo o amor possível, provável,... cultural, tem qualquer coisa de racional que lhe possibilita o acto de respirar.
O amor impossível não pode respirar.
Vive na imponderabilidade agridoce do tempo. Mas não duvido que lhe assenta por direito, o verdadeiro - até que a morte...




terça-feira, 29 de outubro de 2013

gente bonita






Tem gente que é tão bonita por dentro que eu desconfio que come flor!

Andrea Beheregaray

amor mudo

Ardendo de amor, as cigarras
cantam.
Mais belos porém
são os pirilampos,
cujo mudo amor
lhes queima o corpo.

Canção camponesa do Japão
Herberto Helder, in "Poesia Toda"

10 razões

Amo-te, primeiro por teus cabelos em rabo de gato.
Segundo, amo-te pelo modo como falas.
Terceiro, amo-te por causa do teu rosto admirável.
Quarto, amo-te pelos teus vestidos, que são da cor do teu rosto.
Quinto, amo-te porque trazes ganchos nos cabelos e trazes na mão um leque da China.
Sexto, amo-te por causa dos teus cabelos negros.
Sétimo, amo-te porque os teus pais um dia te puseram no mundo.
Oitavo, amo-te por causa dos teus olhos de fénix que me olham profundamente,
Nono, amo-te, porque estamos unidos um ao outro.
E amo~te, em décimo lugar, porque é a mim unicamente que te desejas unir para sempre.

Poema indochinês
Herberto Helder, in "Poesia Toda"


perfume de maçã

Como és bela bela, como
és bela, ó amor, ó delicias.

No teu impulso, és como a palmeira -
teus seios são cachos de tâmaras.

Sejam teus seios como cachos de uvas;
teu hálito, perfume de maçã;
tuas palavras um vinho delicado.

Cântico dos cânticos de Salomão
Poema 5º
Herberto Helder, in "Poesia Toda"

fénix

ainda não percebi
que não tenho
sobre mim
aquele olhar
de fénix
profundo
e terno
que me
queimou o corpo

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

natura

Quando falamos em fauna, as imagens que nos surgem de imediato na mente, são as de animais de grande, médio e pequeno porte. Esquilos e coelhos seriam os bicharocos do fim da lista.
Errado, pois claro!
Na verdade existem animais que  podemos classificar de micro-fauna e ainda de macro-fauna.
Pessoalmente já tive encontros imediatos de 3º grau, como toda a gente, aliás, com a macro-fauna, isto é, moscas , mosquitos, etc...
O que nem toda a gente terá tido, é encontros com elementos da micro-fauna que existe na natureza, com o mesmo estatuto que a chamada grande-fauna...:-)
Já tive dois encontros desses. O primeiro foi há algum tempo quando trabalhava na minha horta. Devo dizer que a minha horta não tem vedações e tem muitos espaços que procuro manter selvagens, para que os pequenos seres vivos possam, também eles, ter alguma qualidade de vida :-).
Voltando ao encontro, ele acontece quando de repente vejo aos meus pés um ratito do tamanho do meu polegar, caído como morto mas ainda a respirar. Um ratito do campo... também conhecido por ratito "cabrera". Peguei-lhe cuidadosamente e vi um focinho adorável, que abria com dificuldade os olhitos. Fiquei desolado. Certamente tinha-o atingido inadvertidamente com a enxada, e o coitado não teria mais que breves minutos de vida. Na verdade o conceito de tempo nestes seres é diferente do nosso. Apesar de viverem menos tempo que nós, viverão provavelmente mais intensamente...não sei.
Como estava muito calor, abriguei o ratito debaixo de algum pasto e, a espaços, ia vigiando o seu comportamento. As esperanças eram muito poucas. Então, ao baixar-me uma vez mais afastando o pasto protector, o meu amigo dá um repentino salto e foge dali para fora por cima dos torrões!
Não consegui conter um grito de alegria e entusiasmo.
O segundo encontro foi hoje. E foi com um sapinho que ficou com uma perna presa no barro consistente e húmido. Passei momentos de grande tensão a retirar a pernita, com medo de a arrancar ou partir. Finalmente consegui. Coloquei o sapinho na palma da mão e acho que os seus olhos super ternurentos me agradeceram.
Dois finais felizes portanto :-)
Nunca irei esquecer estes dois momentos e o seu significado quanto ao equilibro entre a vida e a morte.


domingo, 27 de outubro de 2013

presente da neta






O presente de aniversário da minha "coi-si-ta" (neta) :-) em 16-09-2013.
Trata-se de um retrato de família, numa perspectiva abstrato-impressionista, segundo me parece. Eu estou em baixo do lado direito, como se pode ver. :-)

tempo e silêncio


sexta-feira, 25 de outubro de 2013

me quedo contigo


clandestino


elegância/ostentação vs amor/assédio

Parece-me interessante reflectir sobre a natureza simétrica destes dois binómios, que é a mesma, ou seja, de natureza estrutural.
As mesmas também são as naturezas intrínsecas, opostas e inversas de cada um dos 4 conceitos, se os agruparmos, agora em: elegância/amor e ostentação/assédio, onde a diferença é de conteúdo.

A elegância, que vem dos sentimentos é irmã do amor e apela aos valores da alma, da ternura, da ética.
Do outro lado, o da ostentação e do assédio, também existe uma relação íntima cujo principal pressuposto é a violentação do "outro".

Provavelmente esta constatação não tem nada de novo.
Mas é perturbador notar que tanta gente por esse mundo fora, ainda não tenha percebido esta diferença...

a água

Palavra de honra, que só agora reparo que afinal tenho uma relação muito forte com a água.
- O tempo que permaneci na placenta a reflectir de forma inconsciente.
- As histórias que a chuva me conta, trazidas dos lugares mais fascinantes.
- O prazer imenso em nadar, que nada mais é do que voar...
- E que dizer, de navegar à vela num permanente diálogo com o mar e com o vento?!... Sim,  porque o mar e o vento questionam constantemente. Obrigam a uma relação intima com o barco!
Temos que formar um corpo apenas, como se de uma relação sensual se tratasse...
Navegar em mar aberto com vento de sotavento de 30 nós...é sublime!

placenta















Provavelmente, a única boa experiência maternal que tive foi enquanto estive na placenta. Só assim se explica o enorme prazer que sinto ao nadar de olhos fechados. Bem...na verdade abro os olhos a cada 4 segundos :-), para corrigir a trajectória, :-) o que perfaz 3/4 do tempo total de olhos fechados.
É um tempo único, que me permite profundas reflexões..., não obstante a minha concepção de tempo ser diferente da maior parte das pessoas, pelo menos as mais novas. Creio que com a idade a minha contagem do tempo passou a fazer-se de forma cíclica, como os maori, e não linear. Mas é curioso que não dei por isso. Foi talvez uma transformação inconsciente.
Tanto,  me faz. A verdade é que durante o referido período, o tempo parece estar parado... e as emoções, em vez de passarem por mim...permanecem...doces.
Como estou na água não me apercebo se me saem lágrimas dos olhos...mas acho que sim.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

longe...





...
Longe,
A verdade serena do seu rosto
É que faz este dia verdadeiro...

Miguel Torga (excerto)

a chuva e o amor















será chuva?
será amor?

a chuva
é total
é intensa
sente-se
no corpo
e na alma

como o amor

chuva

Pronto...está bem! Todos sabemos que os nutrientes  da água da chuva são ótimos para as plantas, a ponto de, de um dia para o outro se notar um rápido crescimento associado a um aspeto mais saudável.
Mas apetece-me reflectir de outro modo sobre as pequenas gotas da chuva...
Terão "subido ao céu", através do processo de evaporação claro, em que região do mundo?
Na Nova Guiné? Na Ásia Central, na região da Rota da Seda? Em Samarcanda a cidade mágica? Na imensidão da Patagónia?
Então...que pessoas e emoções terão conhecido estas pequenas gotas antes de viajarem até ao meu quintal?
Sinto-me perante a incapacidade das palavras, de que fala o Lobo Antunes, para descrever o que sinto.

Isto afinal é uma questão imensa e profunda...
Será que, o que torna as plantas tão lindas, é a felicidade por ouvirem as histórias contadas pela chuva?...

É tão fácil sentir os olhos molhados, de uma água que, também ela irá viajar um dia...


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

aquilo que sei




















...Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos só podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos refletem. Tu és aquilo que sei sobre a ternura. Tu és tudo aquilo que sei.


José Luís Peixoto, in "Escuta, Amor" (excerto)
imagem - Santuário de Nossa Senhora D´Àires

terça-feira, 22 de outubro de 2013

o amor é...

O amor é a união de duas solidões que se respeitam.

Ranier Maria Rilke

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

comigo














ama-me

quando quiseres
onde quiseres
se quiseres...

eu?!
estarei comigo
à tua espera
no tempo

sábado, 19 de outubro de 2013

gracias, Vinicius.


exercício físico


Fazer exercício físico (leia-se estado de espírito) por entre o silêncio das árvores, na companhia de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, provoca um estado de alma que obriga a intensificar os movimentos do corpo para fugir  das emoções...

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

os teus gestos





Os teus gestos são música. São lume.
São a respiração do teu olhar.
A seara de espigas que ondula no meu corpo...

Joaquim Pessoa (excerto)
imagem - Jair Ferreira

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Deram-me o silêncio...






Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade...

Adolfo Casais Monteiro

terça-feira, 15 de outubro de 2013

no teu rosto

No teu rosto
competem mil madrugadas

Nos teus lábios
a raiz do sangue
procura suas pétalas

A tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo o meu sossego


Mia Couto


domingo, 13 de outubro de 2013

amor














amor é a coisa que eu mais quero...

Adélia Prado


as mãos

o carácter
das mãos

é
o nervosismo
e a doçura
com  que
falam,
sublinham,
desenham
e amam
as palavras,

ás vezes
trémulas.

sábado, 12 de outubro de 2013

eu?!






e
de súbito
tu

eu?!
já estava
contigo


imagem - François-Henry Galland


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

levada







não há
silêncios
de ti

todo
o universo
se agita

percorrido
por uma levada
de afecto

terça-feira, 8 de outubro de 2013

velhice


Achei curiosa uma publicação do Público de hoje.
Segundo Montaigne - a velhice faz-nos mais rugas no espírito do que na cara.
Pois...
É isso que me perturba, porque para as rugas da cara uso creme,...também  por causa do cloro da água da piscina :-).

A perspectiva de ter rugas no espírito confesso que me assusta. A sua existência é um tremendo obstáculo à vida e à tranquila e natural visão do universo.
Creio no entanto, que esta convicção do autor é muito ocidental...judaico-cristã, portanto.
Nas culturas ditas primitivas, é frequente o grupo dos anciãos ser o pilar da estrutura psicológica e social da comunidade. Uma espécie de Tribunal Constitucional muito respeitado :-), que não tem tempo para se preocupar com as rugas da cara.

Não quero!...Não quero!...Não quero ter rugas no espírito! ...Quero pensar, chorar, sentir, observar, amar, sem medida!

eternidade...



















"Pilar: se eu tivesse morrido aos 63 anos, antes de te conhecer, teria morrido muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora."

José Saramago

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

jardim proibido



























As palavras
não ditas
deixam-me um frio
de amargura
e desencanto

na nuca.

São palavras
sem espaço
nem tempo
para ser ditas.

Porque
quando ditas,
não chegam
para dizer

e desvanecer
esta angústia
de não dizer

imagem - jardim proibido em Águas de Peixe, a caminho do santuário de Nossa Senhora D´Áires.

domingo, 6 de outubro de 2013

afectodependência






















Sou afectodependente, não tenho a menor dúvida. Sem lamechice, mas com a profunda convicção de que nos contornos do meu tempo habita em permanência a preocupação pelos meus afectos. É nesse sentido que me é profundamente gratificante conseguir, ainda que lentamente, ser capaz de corrigir a forma de pensar distorcida, acerca de alguém tão magoada na sua dignidade e que me habita em permanência.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

o neutro




Este, teve todo o direito a adotar um posição neutral, nas últimas eleições autárquicas. Não pode é vir agora (não devia) reivindicar protagonismo usando jogos de palavras. Eu próprio já tive momentos de desencanto em que fiquei neutro. Afastei-me em consciência e respeitosamente fiz silêncio. Os meus 63 anos permitem-me identificar rapidamente estes "artistas" da palavra, que já conheço há mais tempo que a idade do comentador.
Claro, agora não é fácil mandá-lo calar... a caminho dos 200 likes...nem eu deixaria as minhas atitudes para o fazer.
Entristece ver como as pessoas se deixam manipular com esta facilidade, por um discurso algo ingénuo, até, mas que estabelece linhas de promiscuidade politica inconcebíveis.
Não se podem misturar as escolhas, as reflexões, o sofrimento, a maldade  por que alguns passaram, e cuja dignidade e coragem aqui nos trouxe e é um exemplo, com tomadas de posição "politicamente corretas" a que o povo na sua imensa sabedoria chama - "sopas depois do almoço".
O respeito do vencedor pelo vencido é uma questão de carácter e faz parte de outra discussão.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

mujer

chuva

gosto
da chuva
que molha
os momentos

a vitória



















Nem as vitórias nem as derrotas são definitivas.
Isso dá uma esperança aos derrotados, e deveria dar uma lição de humildade aos vitoriosos.


José Saramago


Na verdade uma atitude discreta e de recusa da humilhação do vencido, por parte do vencedor, é extraordinariamente digna e pedagógica. A ponto de possibilitar uma verdadeira "conquista" do outro, pelo exemplo de nobreza e dimensão humana.
Não consigo entender a vitória de outra forma. 
As atitudes menos dignas do adversário durante a luta, ficarão coladas á sua pele como um anátema...a não ser que ele entenda por fim, o valor da dignidade. E se isso acontecer,,,,seremos de novo vencedores.