terça-feira, 5 de junho de 2012

Se o vento vier



























De repente, sem saber por onde entrara, eu
tinha a lua comigo. Não era a primeira vez, não,
não era. A primeira vez havia sido há muitos
anos: adormecera na eira sobre o feno, e quando
acordei a lua estava a meu lado e fizera da noite
um interminável e azul lago de prata. Eu flutuava
no luar espesso, pesava menos que uma
folha de papel. Todo o esforço que fazia era para
não me desprender do solo, como se a acção da
gravidade não me dissesse respeito, e flutuar
no espaço fosse a minha vocação. Se o vento vier,
não tenho mais remédio que abandonar-me e ver
até onde me levam os seus espíritos.

Eugénio de Andrade, in "Vertentes do Olhar"
imagem - Matisse, "Nu azul"

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